Mar está engolindo 14 praias em Alagoas
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Esse ditado popular pode ser aplicado ao pé da letra quando se reflete sobre a realidade das praias de Alagoas. O fenômeno de retrogradação litorânea – diminuição do litoral – está fazendo muitas propriedades da costa se transformarem em “pedras furadas” devido às erosões causadas com o avanço do mar.
O problema não é novo, o Estudo de Progradação do Meio Ambiente do Litoral Alagoano é fundamentado por autores que desenvolveram estudos de 20 anos atrás, que foram atualizados pela Tribuna Independente. No estudo, houve o mapeamento dos municípios e praias da costa alagoana que estão em situação de vulnerabilidade. Dentre eles, destacam-se pelo menos 14: Maceió, nas praias de Ponta Verde, Jatiúca e Pajuçara e na Praia da Sereia e em Sauaçhuy; Maragogi; Japaratinga, na Praia do Bitingui; São Miguel dos Milagres; Porto de Pedras; Barra de Santo Antônio, na Ilha da Crôa; Paripueira; Barra de São Miguel; e Coruripe, no Pontal do Peba e Poxim.
O Estudo justifica a atuação do mar nesses municípios devido à ação do homem sobre o meio ambiente, principalmente em Maceió, que é área urbana e vem recebendo intervenções profundas no ecossistema.
Em entrevista concedida à Tribuna Independente, o biólogo e mestre em Oceanografia, Gabriel Louis Le Campion, explicou que o acúmulo de sedimentos dos rios depositados nas praias dão proteção às erosões marinhas, alargando a extensão da praia.
Segundo ele, a intervenção humana nos rios, com a destruição de mangues, contribuiu para a redução desse tipo de atuação fluvial.
Ele recorda de um pequeno riacho nas imediações da Avenida Sandoval Arrochelas que corria em direção à praia e atualmente não existe. “Um riacho, por menor que seja, vai transportando areia. Então ele ia promovendo um aporte de sedimentos para a praia”.
Com força
O oceanógrafo Gagriel Le Campion vê a possibilidade de um avanço do mar devastador na costa de Maceió, isso porque as praias da Ponta Verde, Jatiúca e Pajuçara não detém a faixa de 200 metros necessária para o trabalho marinho.
“A faixa até 200 metros chama-se área de domínio marinho. É a faixa elástica que o mar vai trabalhar, é o espaço que o mar precisa”.
De acordo com Le Campion, a areia da praia tem várias funções para o oceano e a principal é a dissipação de energia, que é o mesmo que diminuir sua força. Ele também se diz preocupado com a construção de condomínios de luxo na costa alagoana. Para ele, a ornamentação seria mais levada em consideração que os fatores ambientais a serem respeitados.
“O pessoal da engenharia normalmente olha da costa para o oceano. Nós da oceanografia olhamos do oceano para a costa”, acrescentou.
Os grãos de areia, importantes para a dissipação das ondas, terminam sendo aterrados por grandes propriedades ou projetos à beira-mar. “Cada grão de areia é importante. Se um grão vai para outro lugar, tem que vir outro para substituir”, concluiu.
Solução contra erosão
O Projeto Orla propõe ações integradas do governo federal, estadual e municipal sobre melhorias nas orlas da costa nacional contra erosões provocadas pelo homem ou de origem natural.
O engenheiro agrônomo, com especialidade em gestão ambiental e recursos hídricos, João Lessa de Azevedo, está na coordenação do programa em Alagoas e chama atenção para a necessidade de implantação de estações maregráficas em Maceió.
Para João, não dá para saber como vai ficar a situação das orlas da Pajuçara e da Jatiúca, as duas que mais sofrem com o avanço do mar. As contenções que foram colocadas como dissipadores de energia nessas localidades são de caráter paliativo.
Numa situação mais radical de avanço do mar, João defende o procedimento chamado de engordamento de praia. A técnica permite a retirada de areia da praia encontradas em jazidas localizadas no oceano.
Com isso, a dragagem é realizada e a areia retirada passa a ser depositada na praia. Segundo ele, o município de Maceió tem as jazidas que favorecem o procedimento, porém não dispõe de recursos e tecnologia suficientes para a remoção. “Ainda não temos aqui a dinâmica de estudos necessária para saber como vai estar a situação da orla de Maceió daqui a cinco anos”, explicou.
Contenção
Sacos de areia empilhados para que a água não tome conta do asfalto. A técnica além de não ajudar, pode ser um agravante para a regressão marinha quando o cenário da erosão são residências e condomínio à beira-mar.
De acordo com o superintendente de Patrimônio da União e coordenador do Projeto Orla, José Roberto Pereira, o mais adequado é que o responsável pela propriedade contrate um engenheiro para fazer o diagnóstico do terreno. “Em muitos casos, os dissipadores de energia devem ser feitos em formato de escada, como existe em Paripueira e na Barra Nova”, disse.
Invasão
O Superintendente do Patrimônio da União e coordenador principal do Projeto Orla em Alagoas, José Roberto Pereira, destaca que, no Estado, existem 11 mil processos de pessoas que precisam pagar a taxa de marinha. 30% deles são inadimplentes.
A “taxa de marinha” é paga cada vez que uma propriedade é construída em territórios próximos ao mar, como condomínios e estabelecimentos comerciais.
Por ano, um proprietário deve pagar de 2% a 5% do seu terreno pela ocupação. As pessoas que ganham até cinco salários mínimos podem pedir a isenção do imposto, pois se trata de comunidades ribeirinhas.
José Roberto explicou que o número de processos é alto porque as prefeituras continuam emitindo alvará em locais de erosão costeira.
“Tem pessoas que chegam ate nós pedindo a insenção da taxa reclamando que sofreram ações da maré. Mas eu pergunto o porquê de quererem construir numa localidade que já estava ameaçada”, observa o superintendente.
Segundo ele, a situação mais degradante dos imóveis acontece no município da Barra de São Miguel, Praia do Francês, em Marechal Deodoro e no município de Maragogi.
Prejuízos
O cenário “beira-mar”, que muitos já idealizam a imagem colossal de beleza e luxo, se tornou um antro de destruições protagonizadas pelo mar. Essa é a realidade da praia de Sauaçhuy, em Maceió.
A equipe de reportagem da Tribuna deparou com um canteiro de obras numa das mansões que ficam no final do condomínio. Lá estava Enrico Ferreira, o administrador da casa.
Segundo ele, o terreno quase inundado foi comprado por um italiano. O custo foi de R$ 20 mil e os gastos com as contenções para deter a alta da maré em noite de lua cheia já chegaram aos R$ 40 mil.
“Essa pessoa que está realizando essas obras realmente tem o dinheiro para investir nesse terreno e também o local é de profundo valor sentimental para ele”, explicou Enrico.
Apesar dos gastos, e da grande quantidade de concreto que será colocada com objetivo de impedir o avanço do mar, o administrador disse que não há a garantia de que as contenções de concreto possam resolver o problema. “Isso é um investimento que tem que ser feito anualmente. Do contrário, ele irá perder o terreno. Para você ter noção, nós já tivemos um prejuízo de R$ 10 mil tentando colocar as pedras no período da ressaca”, disse.
Moradora há 30 anos do condomínio, Nazaré Almeida disse ter sido surpreendida com a dimensão do avanço do mar nos últimos 10 anos. Ela revela que várias propriedades tomadas pela água não têm mais valor. “Os estrangeiros que eram donos dessas casas tiveram que abandonar”, explica.
“Eu lembro, quando era mais nova, que a gente tinha que andar muito para se banhar. Hoje nem precisa mais”, emenda.
Quando indagada sobre sua expectativa sobre o avanço do mar para os próximos cinco anos, ela foi categórica: “A palavra de Deus tem que se cumprir. Deus vai fazer uma transformação”.
Gerentes se assustam
A barraca administrada por Sheila Vasconcellos, que é localizada na orla da Ponta Verde, existe há 14 anos. Esse foi o período suficiente para indentificar que o estabelecimento estava ficando cada vez mais próximo do mar.
Por isso, a administração decidiu, por conta própria, murar o estabelecimento para realizar a prevenção das investidas das altas marés. Os gastos foram feitos por conta própria, numa situação de apelo. Porém, o que seria uma mera proteção causou uma interpretação diferente pelo Ministério Público Estadual.
Parte do muro teve que ser extraído sob a alegação que impedia o acesso de banhistas. “Nos havíamos colocado esse muro para preservar a estrutura, mas a SPU [Superintendência de Patrimônio da União] e o Ministério Público Estadual entenderam que estávamos impedindo o acesso de banhistas. Então tivemos que quebrar uma parte. Somente depois, nós conseguimos manter ainda parte do muro para não comprometermos a estrutura do estabelecimento”, contou Sheila.
Após chegar a um entendimento junto ao MPE, a gerente não nega que a Prefeitura Municipal de Maceió foi responsável pela aposição de contenções com pedras de concreto, atendendo à demanda emergencial.
Porém, Sheila teme que o avanço do mar seja mais rápido que a prefeitura da próxima vez. “O mar não chega a invadir o restaurante. Mas chega a molhar levemente os clientes que estão aqui. Eu acredito que futuramente, se não for sanado o problema, a estrutura pode ceder novamente. Por enquanto, os clientes ainda admiram o local, mas temos que nos prevenir”.
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