“A gente se organiza em mutirão para a pescaria porque tudo tem que ser feito com muita rapidez e a máxima organização, senão o peixe pode estragar”, afirmou Manoel Cunha, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros e líder da comunidade São Raimundo, no municipio de Carauari (a 788 quilômetros de Manaus).
Após montarem acampamento na boca do lago, junto a um barranco de mais de dez metros, os pescadores iniciam os preparativos para a pescaria. Redes são revisadas para identificar buracos, facas são afiadas para retirar as visceras do pescado, a alimentação é preparada para 70 pessoas e até um pequeno gerador de energia é instalado, tudo para a pescaria.
Ao anoitecer, os pescadores saem para lançar as redes no lago. Trinta e cinco homens são divididos em equipes que têm a responsabilidade de monitorar as malhadeiras. Os pirarucus têm uma bexiga natatória modificada para funcionar como um pulmão, e quando presos nas redes, morrem afogados. Como os jacarés estão sempre à espreita, os pescadores têm que ser rápidos para retirá-los da água.
“Logo que cai na rede, temos que tirar. Como ele é muito grande e pesado, usamos a ‘paulada de misericordia’ na cabeça para trazê-lo para dentro da canoa”, disse Antonio da Lima da Silva, 51, um dos lideres da equipe de pescadores.
Habilidosos, os pescadores conseguem, em seis horas, pescar 74 pirarucus. E esse número poderia até ser maior, se Manoel Cunha não tivesse determinado a diminuição do ritmo, com o objetivo de conseguir peixes maiores do que um metro e sessenta.
“No ano passado despescamos 153 pirarucus, com uma media de tamanho maior do que um metro e sessenta e cinco, mas este ano eles estão menores, por isso, vamos despescar menos e controlar ainda mais o tamanho deles”, comentou. A decisão foi acatada por todos.
Contra o tempo
Ao retornaram ao acampamento, os peixes foram estendidos em um trapiche montado especificamente para a limpeza. Equipes são montadas para pescar e transportar os peixes. A carne do pirarucu não pode ficar muito tempo exposta e a partir do momento em que ele é retirado da água, inicia-se uma corrida contra o relógio para manter as caracteristicas da iguaria.
Com afiadas facas, homens e mulheres iniciam a retirada das vísceras. Em quatro horas todos os peixes são limpos. “A gente está feliz porque ganha a mesma quantia que os homens e de igual para igual”, disse Mariângela Lima Paixão, 29, que espera receber mais de R$ 1,5 mil com a despesca deste ano.
Segundo o pescador José Luiz Bispo de Lima, 40, quando a comitiva de pesca do São Raimundo chega em Carauari, imediatamente, já tem compradores. “A gente é especializado em oferecer o que povo gosta: os restaurantes compram o filé, mas as tripas e a ossada é o povão que gosta”.
Exemplo de manejo na floresta
Convidado pela comunidade do São Raimundo para acompanhar a pescaria, o superintendente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgílio Viana, acompanhou todas as atividades do mutirão.
“A técnica deles na mobilização, preparativos, pesca, limpeza e transporte é extraordinária. São pessoas que estão revolucionando a geração de renda dentro da floresta e, ao mesmo tempo, preservando uma espécie com manejo adequado”, disse.
A chefe da reserva do Medio Juruá, Rosi Batista da Silva, 49, participou da pescaria. Representante do governo federal em uma area de mais de 253 mil hectares, ela afirmou que quer estabelecer parcerias. “Governo Federal e FAS têm muito a contribuir para a melhora da qualidade de vida dos povos da floresta”, disse Rosi.
Mercado
Praticamente todas as partes do pirarucu são comercializadas no interior do Amazonas. A procura é tanta, que os pescadores dividem o peixe em várias partes. O quilo do filé csai, em média, a R$ 8, mas também pode ser encontrado a R$ 9 e R$ 10. A ossada com cabeça custa R$ 4,50 o quilo; o couro com escamas vale R$ 7 o quilo e as vísceras, muito apreciadas em Juruá, sai por R$ 2,50 o quilo.
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