Com seca no Ceará, ruínas de cidade submersa reaparecem
Depois de 11 anos submersas, as memórias de moradores de Jaguaribara, a 254 quilômetros de Fortaleza, voltaram à tona. O nível do açude Castanhão baixou e, pela primeira vez, ruínas da antiga Jaguaribara, demolida e inundada para dar lugar a um dos maiores reservatórios da região, reapareceram com a pior seca dos últimos 50 anos no Ceará, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Concluído em 2003, Açude Castanhão é o maior açude público para múltiplos usos do Brasil e tem um volume total de 6,7 bilhões métricos cúbicos, mas atulmente está com 51% da capacidade, de acordo com Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do estado (Cogerh). Nos últimos anos, o nível baixou 10 metros abaixo da cota máxima e, nas paredes da barragem, é possível ver as marcas disso.
Para conhecer ou reconhecer a antiga Jaguaribara, é preciso navegar 30 minutos pelo Castanhão. Os primeiros sinais da cidade são as fileiras de postes reveladas no meio das águas. Mesmo sem nunca ter andado pela velha Jaguaribara, o guia de pesca Gil Magalhães, 28 anos, conta que os postes de alta tensão um ao lado do outro estão onde era uma das principais avenidas da cidade.
“Eu conheci a Jaguaribara velha já submersa. Foi navegando mesmo que eu fui sabendo cada canto da cidade”, disse. Aos 28 anos, ele trabalha acompanhando praticantes da pesca esportiva no açude. Há seis anos nesse trabalho e com a orientação dos que viveram na antiga Jaguaribara, ele mostra e conta a história como se tivesse sido um dos moradores. “Os turistas perguntam onde era a cidade. Muita gente vem pescar e, agora que a cidade reapareceu, querem conhecer também”.
Ruínas e lembranças
No caminho dos postes, é possível encontrar uma das principais obras da antiga Jaguaribara. A caixa d’água localizada em um dos pontos mais altos da cidade está totalmente visível. Antes de ser submersa, a edificação foi derrubada. Ao lado das ruínas da caixa d’água, são encontrados tijolos e pias, restos das casas que formavam a Vila de São Vicente. Quem se mudou também deixou para trás objetos pessoais como calçados e frascos de perfume.
Para Mathusalém Peixoto Maia, 61 anos, um dos moradores da antiga Jaguaribara, o nível baixo das águas do Castanhão trouxe uma das principais lembranças da vida dele e uma parte importante da história do Brasil. A antiga Jaguaribara ainda guarda um monumento erguido em homenagem ao centenário de morte do revolucionário Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, que liderou a Confederação do Equador.
A recordação continua de pé exatamente no local onde Tristão foi morto pelas forças imperiais em outubro de 1824. “É muito emocionante rever o monumento. Todo dia eu passava em frente quando saía e voltava para casa. Volta um filme todo da nossa história”.
Mudanças
Gil e Mathusalém agora são moradores da nova Jaguaribara, primeira cidade totalmente projetada do Ceará. Para o ex-morador de Jaguaribara, na nova “tudo é diferente” e, para o que conheceu a antiga apenas sob as águas, a mudança trouxe modernidade.
Segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população atual da cidade é de 10.399 habitantes em um local preparado para 70 mil. “Quando fizeram a nova (Jaguaribara), ficaram assustados. Deu muito trabalho para o pessoal sair. Ninguém também esperava que o açude encheria tão rápido por causa das chuvas. Era gente sendo tirada de helicóptero das casas na zona rural. Não tiveram tempo nem de retirar os postes de alta tensão”, lembra Mathusalém.
Mesmo com uma Jaguaribara mais estruturada e sem problemas de lotação pela desproporção do número real de habitantes para o projetado – o que faz lembrar, às vezes, uma cidade-fantasma -, o funcionário público Jeso Carneiro de Freitas, de 50 anos, preferia voltar no tempo. “A vontade é de voltar para morar lá (antiga Jaguaribara). Eu nasci lá, eu me criei e vivi tudo lá. Vontade de tentar viver naquele lugar em que a gente sempre teve tanto empenho”.
As lembranças com o reaparecimento da velha cidade vêm carregadas de tristeza para o funcionário público. Ele recorda de quando a cidade foi demolida para ser inundada e não esperava que um dia ela ressurgiria. “Muita gente queria ficar lá. Foi muito triste quando ela foi inundada. A gente recorda a nossa vivência naquela cidade”. Atualmente, Jeso cuida da Casa da Memória, um lugar que guarda fotos e objetos da antiga Jaguaribara.
A Igreja de Santa Rosa de Lima, maior recordação da antiga Jaguaribara para Jeso, não reapareceu com o nível baixo do açude Castanhão. “Para mim, ela se tornou símbolo da nossa mudança”, diz. O lugar foi um dos demolidos, mas ganhou uma réplica na nova cidade. Na mudança de uma cidade para outra, a santa padroeira também foi levada e está na frente da nova igreja.
Para os moradores da antiga Jaguaribara, o ressurgimento da cidade se torna mais triste por ser um sinal da seca. “No meio de tudo isso, a tristeza ainda mais profunda porque a seca para nós é muito prejudicial”, lamenta Mathusalém. A antiga Jaguaribara vivia da agropecuária, a atual tem como base da economia a piscicultura. Apesar da baixa do Castanhão, a Cogerh afirma que se não chover nenhuma gota até janeiro de 2015, o Castanhão vai conseguir suprir a demanda do agronegócio no perímetro do Jaguaribe e transportar água para a Região Metropolitana de Fortaleza.
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