Uma equipe internacional de cientistas conseguiu decodificar o genoma dos celacantos, uma façanha que ajuda a explicar a estranha aparência deste peixe e permite levantar o véu de mistério sobre a emergência dos vertebrados terrestres, inclusive os humanos.
Este fóssil vivo, testemunha do surgimento dos primeiros vertebrados terrestres há 365 milhões de anos, fascina os cientistas, mas continua sendo pouco conhecido. Durante muitos anos foi considerado desaparecido já na antiguidade até que um pescador sul-africano conseguiu capturar um exemplar vivo em suas redes em 1938.
O evento é considerado uma das maiores descobertas da zoologia no século 20. Foi necessário esperar outros 15 anos para que outro exemplar fosse capturado e desde então apenas 309 indivíduos foram descobertos.
Cientistas de 40 institutos de pesquisa de 12 países diferentes participaram dos estudos sobre o sequenciamento do genoma do celacanto africano, aproximadamente 3 bilhões de “letras” do DNA, segundo reportou nesta quarta-feira (17) a revista científica britânica “Nature”.
A análise confirmou aquilo que os cientistas suspeitavam há tempos: os genes deste peixe evoluem mais lentamente do que os de outros peixes e vertebrados terrestres. Os pesquisadores trabalham com a hipótese de que os celacantos não precisaram evoluir porque viviam nas profundezas, onde poucas coisas mudaram em milênios.
“Não é um fóssil vivo, mas um organismo vivo”, afirmou Jessica Alfoldi, do Broad Institute, nos Estados Unidos, uma das encarregadas do estudo. “O celacanto não vive em uma bolha de tempo, mas no nosso mundo, e por isso é tão fascinante descobrir que seus genes evoluem mais lentamente do que os nossos”, disse.
O genoma do celacanto permitiu também aos cientistas abordar a questão da evolução dos primeiros vertebrados terrestres de quatro patas, os tretrápodes. O animal apresenta vestígios da passagem do peixe para as criaturas terrestres: espaços para membros em quatro de suas nadadeiras e uma bolsa de ar que seria um pulmão primitivo.
Os pesquisadores compararam vários conjuntos de genes: os dos celacantos, os de outro peixe estranho que também possui nadadeiras similares a patas e os pulmões, conhecido com o nome de Protopterus annectens (dipnoicos), e de outras 20 espécies de vertebrados.
Genoma complexo
Segundo o estudo, os tetrápodes parecem mais estreitamente ligados aos dipnoicos do que aos celacantos. O problema é que o genoma dos dipnoicos, com 100 bilhões de letras, é muito mais complexo para conhecer sua sequência correta. A sequência mais modesta dos celacantos se revelou útil para proporcionar indícios preciosos sobre as mudanças genéticas que permitiram aos tetrápodes, como os membros e dedos, assim como a placenta.
O estudo comparativo do genoma dos celacantos com os de animais terrestres permitiu descobertas originais. Os cientistas se concentraram em grandes regiões genéticas que poderiam ter desempenhado um papel na formação de elementos inovadores dos tetrápodes, como os membros e os dedos, assim como a placenta.
Também constataram um importante número de modificações ligadas ao sistema imunológico. Estas mudanças poderiam constituir uma resposta aos novos agentes patogênicos encontrados em terra.
“É apenas o começo de muitas análises sobre aquilo que os celacantos podem nos ensinar sobre a emergência dos vertebrados terrestres, inclusive os humanos”, disse Chris Amemiya, outro autor do estudo.
Para aprender ainda mais sobre a vida dos misteriosos celacantos, uma equipe franco-sul-africana desenvolve atualmente pesquisas em profundidades marinhas no Oceano Índico, na costa leste da África do Sul.
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