Segundo maior arquipélago fluvial do mundo tem controle de acesso de pessoas dificultado
Cartão-postal das belezas da Amazônia e segundo maior arquipélago fluvial do mundo, as Anavilhanas são um mar de contradições. Com 30% de sua área em Manaus, uma das cidades-sede da Copa do Mundo (os outros 70% estão em Novo Airão), a unidade foi eleita a representante amazônica do Programa Parques da Copa.
Mas, segundo um plano de manejo concebido em 1999, na época em que a unidade ainda era uma estação ecológica, o acesso às 400 ilhas, na entrada do Rio Negro, seria permitido só a pesquisadores que preenchessem um formulário solicitando a visita e informando seu propósito. A determinação ainda vigora, a despeito de as Anavilhanas terem se tornado parque em 2008. A regra persiste, embora a própria administração do parque queira derrubá-la.
A medida ignorou o fato que os 350 mil hectares do parque servem como hidrovia para entrada na Amazônia. Controlar o seu ingresso é praticamente impossível. Segundo uma estimativa feita com dados fornecidos por operadoras de turismo, 30 mil visitantes passariam anualmente pelo arquipélago.
Com a transformação em parque, em teste, qualquer visitante pode navegar entre suas ilhas. Só falta mudar a legislação – algo que não deve ocorrer tão cedo.
– Temos apenas uma portaria que autoriza temporariamente a visitação a certos pontos das Anavilhanas – explica Priscila Santos, chefe do parque. – E recebemos somente R$ 800 mil anuais, boa parte vai para a manutenção das lanchas, por exemplo. Se conseguíssemos autorização para cobrar ingressos, teríamos recursos para elaborar um plano que permita o uso público da unidade.
A administração do parque também quer regulamentar as mais de 60 comunidades indígenas e ribeirinhas estabelecidas há séculos nas margens do Rio Negro. Todas teriam que concordar com um termo de compromisso sobre a pesca de subsistência. Este documento detalharia que espécies de peixe podem ser retiradas da água, em que quantidade e em qual período do ano.
– Quando esta unidade de conservação foi criada, ninguém lembrou dos índios – reconhece Priscila. – Agora, queremos regulamentar a pesca e resolver um conflito histórico. Afinal, quando estas pessoas entram no rio, estão dentro de nossos limites.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), então, informaria às comunidades que espécies podem ser capturadas em cada estação. A missão parece inviável devido ao isolamento de algumas comunidades indígenas. Um exemplo é Conceição Cordeira Pedrosa, de 64 anos, do povo tucano. Ela sequer sabe quem é a presidente da República.
– Saímos de São Gabriel da Cachoeira (a 700 km de distância) porque lá não tinha mais peixe – lembra a índia, que vive com o marido e três filhos. – Era difícil sobreviver. Aqui estamos bem, pescamos o que precisamos, gostamos de ficar sozinhos.
Priscila também está quase solitária. Apenas ela e outro analista são responsáveis pela fiscalização de todo o parque. À frente da unidade de conservação, eles já flagraram até policiais militares traficando animais silvestres. Entre as outras atividades ilegais frequentemente registradas estão a caça e a extração de madeira e de areia dos rios.
Anavilhanas divide, com outros três parques, a mesma sede – uma pequena casa em Novo Airão. O estabelecimento precisa de reformas, o alojamento cheira a mofo e as bases avançadas de fiscalização são precárias. Não há infraestrutura para receber turistas, como um centro de visitantes, uma torre de observação e a sinalização de áreas de reprodução de espécies.
– A demanda só aumenta, porque o turista que chega a Manaus quer ver a natureza, e não a cidade – argumenta Priscila. – Os impactos são maiores em Anavilhanas, porque esta é a unidade de conservação mais próxima da capital do Amazonas. Ter apenas duas pessoas para administrar um arquipélago deste tamanho é uma indecência.
Coordenador de projetos do Instituto de Pesquisas Ecológicas – que atua nos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado -, Marco Antônio Lima recomenda que os gestores do parque busquem outras formas para consolidar Anavilhanas como polo turístico.
– Cobrar ingresso não adianta, porque há numerosas entradas. Além disso, o dinheiro vai para um caixa único, e é distribuído entre outras unidades de conservação – lembra. – Outro problema é que o parque é tão grande, que o turista fica desorientado e não consegue ver animais. Se houvesse um guia, preferencialmente bilíngue, o visitante teria as informações necessárias.
Para Lima, a unidade também deve procurar parcerias com a iniciativa privada e criar projetos que atraíssem financiadores estrangeiros:
– Mas, considerando que só dois funcionários são responsáveis pelo parque inteiro, eles já fazem milagre.
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