Em 2005, na Costa Oeste dos Estados Unidos, os produtores de moluscos começaram a perceber um fenômeno estranho. As ostras não conseguiam se reproduzir. Praticamente todas as larvas que nasceram naquele ano morreram, e a dificuldade de reprodução continuou nos anos seguintes, causando grande prejuízo na aquicultura americana. As autoridades financiaram um estudo para identificar as causas do fenômeno. Inicialmente, suspeitava-se de que fosse uma doença, mas o veredicto foi ainda mais pessimista: as mortes foram causadas pela própria água do mar, que estava mais ácida do que o comum.
“A acidificação dos oceanos está claramente afetando toda a produção de moluscos nos Estados Unidos. Isso causa forte impacto na economia”, afirma Bill Dewey, diretor da Taylor Shellfish Company, uma empresa que produz ostras e mariscos na Costa Oeste dos EUA. Dewey apresentou a complicada situação das empresas do setor durante o painel científico “The Blue Planet”, organizado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena, Áustria.
A acidificação dos oceanos é mais um problema causado pela ação humana. O CO2 emitido por atividades como geração de energia, transporte e desmatamento não apenas torna o clima mais quente, mas também altera a química do oceano. Mais carbono na água do mar significa um mar mais ácido, causando dano na vida marinha e, consequentemente, em atividades econômicas como a aquicultura e a pesca. Segundo Dewey, a produção da Taylor Shellfish Company caiu 60%. O prejuízo foi ainda maior para outras empresas da região, que começaram um processo de “migração”, tentando produzir em outras regiões, como no Havaí, para fugir das águas mais ácidas.
A “fuga”, no entanto, não deverá ser a solução mais eficaz. Segundo um estudo do economista queniano Rashid Sumaila, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, o oceano mais ácido causará prejuízos à atividade pesqueira na maior parte do mundo. “O impacto na pesca será sem dúvidas muito maior nos países em desenvolvimento”, disse Sumaila.
Sua pesquisa identificou que muitos peixes estão migrando das regiões tropicais em direção aos polos, em busca de águas menos quentes. O resultado, para o Brasil, pode ser uma queda de até 50% na produção marinha. Ao Blog do Planeta, Sumaila disse que os dados do Brasil ainda precisam ser mais estudados, já que o litoral do país é grande e deve apresentar padrões diferentes para cada região. “Mesmo assim, está claro que precisamos dobrar nossos esforços para enfrentar as mudanças climáticas e a acidificação dos oceanos.”
Como muito CO2 já foi emitido e absorvido pelo oceano, o problema vai continuar. Mas produtores e cientistas concordam que é preciso fazer alguma coisa. É preciso reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa, e investir em adaptação para que os peixes e ostras não desapareçam dos mares – e dos mercados e mesas dos consumidores.
O repórter viajou a Viena a convite da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)
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