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O berçário de peixes da Amazônia e do Cerrado

foto-do-pescador (80)A década de 1990 foi um desastre para os peixes amazônicos. A pesca comercial e desregulada chegou aos grandes rios da floresta, com técnicas pedratórias para se conseguir os peixes. Esse boom causou grande dano aos estoques pesqueiros. Hoje, pescadores da região enfrentam dificuldades para encontrar pirarucus no rio Araguaia. Os tucunarés diminuíram de tamanho, e as piraíbas, peixes de até dois metros e meio de comprimento, estão sumindo. “No início dos anos 90, vimos um declínio monumental dos grandes peixes da Amazônia, e até hoje a situação é crítica”, diz a bióloga Silvana Campelo, presidente do Instituto Araguaia.

Só no final da década de 1990 o poder público conseguiu dar uma resposta a esse problema, com o Parque Estadual do Cantão, unidade de conservação criada pelo governo de Tocantins para proteger os peixes do rio Araguaia. Junto com a criação do parque, veio uma pesada proibição à pesca comercial. As comunidades do entorno encararam a criação do parque de maneira ambígua. Por um lado, eles percebiam que a quantidade de peixes estava diminuindo. Por outro, não entendiam a proibição, afinal as comunidades sempre pescaram na região.

Para tentar resolver essa questão e mostrar a importância de se preservar uma região como a do Cantão, cientistas estão fazendo uma pesquisa inédita: eles querem provar, cientificamente, que o Cantão é o berçário de peixes do rio Araguaia. “As observações e conhecimento local mostram que o Cantão é o grande berçário do Araguaia. É lá onde nascem os peixes que povoam os rios da região. Mas esse conhecimento ainda não é científico. Por isso estamos fazendo essa pesquisa, para comprovar essas obervações pela ciência”.

Biólogos do Instituto Araguaia pesquisam conservação dos peixes da bacia do rio Araguaia, no Tocantins (Foto: Silvana Campelo)A história que Silvana quer comprovar cientificamente pode colocar o Parque Estadual do Cantão como a unidade de conservação mais importante para os peixes da Amazônia e do Cerrado. Isso porque o parque fica exatamento no encontro de dois ecossistemas, separando o Cerrado da Amazônia. A região abriga inúmeras espécies dos dois biomas, sendo uma das áreas de grande biodiversidade do Brasil.

A vegetação do Cantão é formada por florestas de igapó. Durante metade do ano, o rio Araguaia cobre 90% da floresta, que fica debaixo d’água. Nos outros seis meses, no período de seca, a água baixa, formando lagos cercados por floresta.

Usando computadores, os pesquisadores calculam que só no Cantão são formados 865 lagos todos os anos. Essa característica é importante para os peixes amazônicos. Eles ficam presos nesses lagos, onde se reproduzem. Quando a água sobe, os jovens peixes repovoam toda a bacia do Araguaia. Ou seja, os pesquisadores acreditam que o parque é fundamental para manter os estoques pesqueiros em toda a bacia do rio Araguaia. “O Cantão, com 865 lagos berçários, tem mais espécies de peixes do que todo o continente europeu”, diz Silvana.

A pesquisa será feita durante dois anos. Os pesquisadores vão marcar os peixes, usando uma espécie de etiqueta minúscula que não causa danos aos animais. Depois, no período de cheia, os pescadores do entorno do parque que pescarem peixes marcados poderão devolver a marca, recebendo uma ajuda de R$ 10 por peixe. Assim, os biólogos saberão exatamente onde estava cada peixe quando capturado, e se eles de fato migraram dos lagos por toda a bacia do Araguaia. “É uma ideia simples, mas necessária para comprovar o conceito de berçário”, diz Silvana.

Ao incluir as comunidades locais no estudo, os pesquisadores também esperam convencer os pescadores de como é importante manter a proibição da pesca dentro do Parque Estadual do Cantão – e de como, tendo essa região preservada, é possível garantir que tucunarés e pirarucus possam ser encontrados ao longo dos rios da Amazônia.

http://epoca.globo.com

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