O iminente risco de espécies na costa do Ceará
Populações inteiras em extermínio. Peixes e outros animais poderão sumir ou já não existem mais no ambiente marinho e nas águas continentais. Impactadas pela ação humana – pesca predatória, sobrepesca, destruição do habitat naturais, comércio desordenado e poluição – as espécies estão ameaçadas de extinção.
A situação é alarmante, conforme apontam especialistas. Se nada for feito é possível que muitas populações desapareçam em alguns anos. No Ceará, 12 representantes da fauna marinha estão em risco, segundo publicação do Ministério do Meio Ambiente, de 2004. Já as que estão sobre-explotadas (ameaçadas pela sobrepesca) são 16.
O exemplo mais crítico é o do peixe-serra que já não existe na costa cearense. O tubarão-lixa também está em perigo. Além do mero, pargo, sardinha, badejo e garoupa – em extinção em todo o Brasil. Fora as várias espécies de estrela-do-mar; ouriços; pepino-do-mar; pitú ou lagosta de água doce e o peixe cioba.
A pesca é uma grande vilã no processo de escassez dos peixes. A modalidade de arrasto é a que gera maior impacto por ser devastadora. Isso porque arrasta todo o substrato que existe no ambiente e ainda modifica o ecossistema marinho, como informa a engenheira de pesca da Organização Não Governamental Instituto Terra Mar, Natália Amaral. “Temos de priorizar a pesca artesanal consciente, baseada na sobrevivência”. Atualmente, esse tipo de atividade corresponde a 70% no Ceará, porém a sobrepesca ainda é maior.
De acordo com o chefe de divisão técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Ceará, Rolfran Cacho Ribeiro, há muita desinformação por parte dos pescadores sobre a legislação vigente. “A pesca no Estado é totalmente desordenada. Precisaríamos de uma extensionista para orientar quem trabalha com a atividade”.
O problema é que a espécie ganha status de interesse pesqueiro porque é abundante e acaba sumindo, segundo o professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tito Lotufo. “As pessoas começam pegando os animais grandes que possuem poucos indivíduos nas espécies. Os menores têm baixa fecundidade e crescimento lento. A consequência é que eles geram poucos seres na natureza e não têm oportunidade de se reproduzir antes da captura”.
Menor porte
O caso do pargo é que a maioria da pesca já não é mais realizada no Estado. Há disponível no comércio, mas vem de fora. E as espécies estão infinitamente menores do que eram, como explica o professor do Labomar, Vicente Faria. Já o mero foi acabando em virtude da pesca desenfreada. O comércio era praticado nas proximidades do Mercado São Sebastião, em Fortaleza, há pouco tempo, mas a Secretaria da Pesca e Aquicultura do Ceará conseguiu acabar. Entretanto, a espécie ainda é capturada, como informa o chefe do Ibama. “Eles tiram a pele e o peixe fica parecido com o sirigado. Uma forma de burlar a lei”, conta.
Um dos questionamentos é a falta de áreas de exclusão de pesca no Ceará, o que seria uma solução apontada por Tito Lotufo pelo efeito de recuperação dos ambientes e das espécies que podem se reproduzir. O Estado conta com duas reservas extrativistas, a Prainha do Canto Verde (Beberibe) e Batoque (Aquiraz), mas onde é possível pescar de anzol. “Muitas espécies correm para essas áreas para se reproduzir e se tornam pescaria fácil e farta. O impacto é severo”.
Ações educativas também são de suma importância, como lembra o professor do Labomar. Segundo Lotufo, a pesca está alcançando uma situação crítica e economicamente inviável. “A lagosta já colapsou porque, apesar do defeso, as pessoas ainda realizam a captura por meio de técnicas e instrumentos ilegais, tais como a pesca com compressão, a cangalha e a rede. A arraia também já é alvo”, aponta.
Pescadores e comerciantes reclamam da queda na produção e revelam que várias espécies sumiram do mercado. José do Carmo dos Anjos, proprietário de um box no Mucuripe, diz que a oferta de peixe para revenda diminuiu e alguns não existem mais, no entanto, ainda são procurados pelos clientes, como a biquara, a carapeba, dourado, robalo e beijupirá.
Francisco Belo dos Santos conta que hoje pega muito menos peixe do que pescava há alguns anos. “Cheguei do mar agora e só consegui trazer 100 quilos”. Com 40 anos de pescaria, seu Francisco vende na praia o que captura, depois de passar até dez dias no mar.
Seu José Francisco da Silva, antigo pescador, revela que mesmo com as proibições há pessoas que pescam de arrasto com barco a motor, por exemplo. “Mas a maioria dos pescadores tem consciência. Sabemos as regras”, esclarece.
O professor do Labomar destaca a mudança de gerenciamento da atividade – que passou do Ministério do Meio Ambiente para o da Pesca – como empecilho para o controle da atividade no Brasil. “A coleta de dados era feita pelo Ibama e depois passou para o Ministério da Pesca. Isso dificulta a catalogação necessária ao ordenamento”.
Danos ambientais
A poluição costeira é causa significativa para a extinção das espécies, inclusive nas águas continentais, por ser a principal ameaça à destruição dos habitats. O lixo jogado no mar detona os berçários, inviabilizando a reprodução das espécies. No Ceará, a poluição está em nível caótico.
Para Natália Amaral, a zona costeira do Ceará é muito rica em ambientes que têm sofrido pressões humanas com a contaminação e degradação. As populações se concentram em áreas costeiras e acabam causando impactos na biodiversidade local.
Mais informações
Para denunciar a pesca predatória ou crimes contra o meio ambiente:
Ibama Ceará
Telefone: 0800618080
Ações de fiscalização ainda esbarram na falta de estrutura
Evitar que novas ações de pesca irregular aconteçam é solução esperada para que a devastação das espécies na costa cearense não tenha um alcance desmedido. Cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Ceará a fiscalização da atividade. Mas o chefe da divisão técnica do órgão, Rolfran Cacho Ribeiro, diz que o trabalho tem foco nos animais que estão em risco, por falta de estrutura.
Ele comenta que o caso mais recorrente no Ceará é o da pesca irregular da lagosta, com 25% das apreensões. Normalmente, em seis meses, 120 pessoas são autuadas no Estado. De dez a 15 dias por mês um barco do Ibama realiza a vistoria no mar, em 570 quilômetros da costa, ação conjunta com a Polícia Ambiental. “Cuidamos das áreas federais e do que não é licenciável”, declara Ribeiro. Além disso, nove servidores se concentram, diuturnamente, nos portos e no aeroporto Pinto Martins, para fiscalizar o embarque e desembarque ilegal de peixes.
Nas ações, os barcos e o material de pesca são apreendidos. Em todas as épocas de defeso há vistorias. As denúncias também são outra forma de combate à ilegalidade. Por volta de 30% das delações que o Ibama recebe são sobre a pesca, 60% relativas à fauna e 10% à flora.
A Secretaria de Pesca e Aquicultura do Ceará é responsável por fazer cumprir as normas do Ministério da Pesca. A pasta realiza, conforme o secretário Ricardo Campos, campanhas educativas e ações nos principais pontos comerciais de Fortaleza. Além disso, uma força-tarefa, em parceria com as Polícias Rodoviária Estadual e Federal, vistoria o transporte de pescado nas rodovias, para coibir a pesca ilegal.
FIQUE POR DENTRO
Fauna marinha ameaçada
O peixe-serra (Pristis pectinata) tem a situação mais crítica na costa do Ceará. Não é possível mais encontrar nenhum exemplar da espécie que está extinta em todo o Brasil. No mundo, o peixe de água marinha ainda sobrevive na Flórida, Bahamas e Cuba
O tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) está presente na lista de sobreexplotados (vítimas da sobrepesca) do Ministério do Meio Ambiente. Pode chegar aos 500 kg de peso. Possui pequenos dentes, mas extremamente poderosos e pontiagudos
O mero (Epinephelus itajara) tem a pesca proibida pelo Ministério do Meio Ambiente por constar na lista dos ameaçados. É um peixe que pertence à família dos serranídeos e representa uma das maiores espécies de peixes marinhos.
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