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Aquicultura brasileira cresce 30% ao ano, turbinada pelo consumo de peixe

Tilapia Africana se adaptou bem ao clima no Brasil (Foto Divulgação)No grande lago da cinquentenária Usina Hidrelétrica de Três Marias, na Região Central de Minas Gerais, onde ainda podem ser encontradas espécies nativas, como o surubim e o dourado, mais de 300 piscicultores multiplicam a produção, renovando uma das atividades mais antigas de que se tem notícia no mundo. De criadores de porte muito pequeno até grandes empresários, esses empreendedores estão se dedicando à criação em tanques-rede da tilápia gift, peixe exótico de água doce, de origem africana, que se adaptou bem às águas das represas brasileiras e ao gosto do consumidor.

O que se vê na represa é só uma parte do promissor cenário da aquicultura no Brasil, a criação de pescado de água doce e salgada, incluindo, portanto, tilápias, trutas, carpas, camarões, bijupiras, algas e ostras.

É como se o setor caminhasse de costas para o baixo crescimento da economia brasileira, com expansão estimada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) em 30% no ano passado, depois de ter crescido ao mesmo ritmo em 2011, último levantamento de dados disponível na pasta. A explicação para o resultado está na mesa do brasileiro. De acordo com estatísticas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), entre 2008 e 2009, o consumo de peixe per capita no Brasil aumentou 30%, ao passo que o da carne bovina subiu 10%. A produção no país esbarra em 1 milhão de toneladas. O Produto Interno Bruto (PIB) pesqueiro nacional alcança R$ 5 bilhões, dando emprego a 3,5 milhões de pessoas.

Outra alavanca da aquicultura em 2013 foi a ampliação do acesso dos aquicultores às águas da União, com a implementação de parques aquícolas em 23 reservatórios de usinas hidrelétricas e em ambientes marinhos. Foi um dos maiores avanços que o setor viveu, segundo Maria Fernanda Nince, secretária nacional de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura, do MPA. “A expectativa é de que a cessão dessas áreas resulte na criação de aproximadamente 10 mil empregos nos próximos anos”, afirma. Ainda assim, há muito a fazer na atividade, ante uma produção brasileira que não alcança 10% dos 20 milhões de toneladas estimadas pela FAO para que o país entre no ranking dos maiores produtores mundiais.

Nisso, a natureza favoreceu o país e a América do Sul, observa o médico boliviano José Eduardo Rasguido, radicado no Brasil há 41 anos, coordenador técnico de piscicultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG). “A América do Sul é o grande mercado que vai alimentar o mundo porque temos água, clima e alimento (soja e milho para ração dos animais)”, afirma. Piscicultor nas horas vagas e um dos maiores especialistas brasileiros no cultivo de peixes, ele mesmo confessa que mal pode esperar o momento de se aposentar para se dedicar exclusivamente ao seu criatório, às margens do lago de Três Marias.

PROJETOS ARROJADOS

O crescimento da demanda nacional e também mundial por peixes e pescados, associado ao limite esgotado de produção em áreas na Europa e nos Estados Unidos, faz a procura pelo alimento ser maior que a oferta. No Brasil, apesar da grande capacidade produtiva, 30% dos pescados consumidos vêm de fora, especialmente da China e do Vietnã. “Está faltando peixe no mundo”, explica Eduardo Rasguido. Há 35 anos na atividade, ele acredita que a piscicultura está vivendo seu melhor momento quanto à demanda.

“O consumo cresce entre 20% e 30% ao ano.” Na região de Três Marias e também no lago de hidrelétrica de Furnas, ele presta assessoria técnica pela Emater aos piscicultores. Rasguido calcula que a tilápia já represente 50% de todo o volume de peixe de origem nacional consumido no país. Bem-sucedido na produção da tilápia gift, o criatório Tilápia do Vale é o maior produtor da espécie em Minas Gerais.

No lago de Três Marias, em São José do Buriti, distrito de Felixlândia, são 400 tanques-rede em funcionamento, com cerca de 500 mil peixes. As tilápias têm destino certo. Abastecem as grandes redes de supermercados e restaurantes de Belo Horizonte. O criatório dos sócios Ronaldo Vieira e Leonardo Romano tem projeto arrojado para este ano. Atuando na criação e no processamento dos peixes, a empresa mantém um frigorífico na Fazenda das Paineiras, em Funilândia, a 80 quilômetros de Belo Horizonte.

“Vamos investir R$ 2 milhões na ampliação do frigorífico”, informa Ronaldo Vieira. A intenção é sair do atual processamento de 100 toneladas mensais de peixe para 150 toneladas por mês até o fim de 2014. “O crescimento do consumo é tão acelerado que a quaresma está chegando e eu não tenho estoque”, diz Ronaldo Vieira. A tilápia, apontada como a segunda espécie mais consumida no mundo, promete levar mais proteína para a mesa do consumidor brasileiro, que já não compra pescados apenas na quaresma.

* Enviada especial a São José do Buriti e Três Marias

RAIO X

Confira os números em Minas Gerais

Produção
25.917
toneladas na aquicultura*

9.573
toneladas da pesca extrativista**

20 milhões
de toneladas de peixes ornamentais por ano

1,5 mil
toneladas anuais de trutas

17 mil
toneladas por ano de tilápias

(*) dado de 2011
(**) dado de 2010

Fontes: Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Pesca e Aquicultura

Cadeia do produto gera emprego e renda

A criação de peixes tem movimentado a economia de pequenas cidades, com forte geração de empregos. Na pequena Funilândia, de 4 mil habitantes, o frigorífico do criatório Tilápia do Vale, que embala os peixes em cortes especiais de filé, hambúrgueres e bolinhos para fritar, funciona há cerca de uma década. Nos primeiros cinco anos, trabalhou com cinco funcionários em turnos de oito horas. Reflexo do mercado superaquecido, a empresa trabalha agora em sua capacidade máxima, por 24 horas ao dia, e emprega 70 mulheres.

A expectativa do criatório Tilápia do Vale é fechar a cadeia, com a construção de uma fábrica de farinha em Cordisburgo, muncípio também localizado na Região Central de Minas. Os investimentos para isso devem ser de R$ 7 milhões. A fábrica de farinha resolveria diversos nós da piscicultura. É importante, ambientalmente, porque reutiliza os restos dos peixes, além de ser componente essencial da ração animal, que hoje chega a responder por 80% do custo da produção. “Com a fábrica, poderemos vender a farinha para os fabricantes de ração”, diz Ronaldo Vieira.

O piscicultor Geraldo Magela Ribeiro Leite deixou a pesca artesanal para multiplicar ganhos no criatório Pouco tempo depois de escutar com atenção palestra técnica do coordenador da Emater, José Eduardo Rasguido, sobre a criação de peixes em tanques, Geraldo Magela Ribeiro Leite, 52 anos, trocou a profissão de pescador no Rio São Francisco pela de criador de tilápias. De fala mansa, tranquila feito o balanço da água na Morada dos Peixes, lugar de incrível beleza onde mantém seu criatório, ele conta que os peixes do São Francisco diminuíram muito e a profissão de pescador só permitia a sobrevivência. Já com a criação em cativeiro tem sido diferente. É possível planejar a expansão do negócio e da vida.

Geraldo começou a criação junto com seus oito irmãos e o genro. Já conseguiu comprar, em sociedade, uma gleba de terra que dá acesso à água da barragem de Três Marias. Há pouco tempo, ele também investiu R$ 50 mil em seu criatório. Os sócios querem agora dobrar a produção de 5 mil quilos de tilápia por mês. “Tenho cliente certo. Toda a tilápia produzida é vendida. Todos querem”, garante Geraldo.

O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, José Silva, comunga das apostas do Ministério da Pesca e Aquicultura na continuidade do movimento de expansão do setor. Nada a se admirar para um estado que é considerado a caixa-d’água do Brasil, dado o volume expressivo de recursos hídricos em Minas, onde nascem rios de grande importância para o país, a exemplo do São Francisco e dos rios Doce e das Velhas. “O nosso grande desafio será popularizar o consumo e o principal entrave será a segurança dos abatedouros”, afirma. A atividade, no entanto, já é vista como estratégica pelo governo do estado e a secretaria já estuda a criação de uma diretoria específica para tratar dos assuntos ligados à aquicultura.

A produção mineira está aquém do seu potencial, na avaliação do especialista Eduardo Rasguido. Com volumes anuais de 20 milhões de peixes ornamentais, 1,5 mil toneladas de truta e 17 mil toneladas de tilápia, o estado gravita entre os 15 primeiros do país, segundo a Secretaria de Agricultura. Na represa de Três Marias, há cinco parques aquícolas, com capacidade máxima de produção de 55.875 toneladas por ano, e no lago de Furnas são 16 parques, capazes de produzir 79.269 toneladas anuais. (MC e MV)

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