Projeto com pescadores quer conservar o mero
Imagine um peixe que pode chegar a dois metros e meio de comprimento e pesar 450 quilos. Parece história de pescador, mas não é. Esse é o tamanho que o mero (Epinephelus itajara), conhecido como ‘gigante do mar’ ou ‘senhor das pedras’, pode chegar.
Com ocorrência ao longo de toda a costa brasileira, esse peixe marinho vive em lugares rochosos, como tocas, pilares de pontes e restos de naufrágio, optando por ambientes escuros nos quais possa se camuflar. “Apesar de sua imponência, o mero é bastante dócil, o que facilita sua pesca”, alerta a pesquisadora Kesley Paiva, da Comissão Ilha Ativa (CIA), organização socioambientalista que realiza um projeto que visa a conhecer mais sobre a espécie para contribuir com sua conservação, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Apesar de a legislação brasileira proibir, desde 2002, a captura e a comercialização do mero no território nacional, diversos fatores contribuem para que a espécie seja considerada criticamente ameaçada pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês). Kesley Paiva ressalta dois principais: “o primeiro é o fato de o homem ser o maior predador do mero – peixe que tem alto valor comercial – e o outro é que quase não se tem dados sobre a espécie, o que dificulta um diagnóstico preciso e, por consequência, a proposição de ações adequadas de conservação”, explica.
Para contornar essas duas dificuldades principais, a pesquisa sob responsabilidade de Kesley pretende gerar informações sobre o mero na Área de Preservação Ambiental (APA) Delta do Parnaíba (PI), onde o Rio Parnaíba encontra o Oceano Atlântico.
A região é considerada o único delta em mar aberto das Américas e foi escolhida para receber o projeto porque carece de informações relacionadas ao seu uso como habitat pelo mero. “Existem pesquisas sobre essa espécie em alguns lugares do Brasil – como São Paulo, Santa Catarina Bahia e Pernambuco – porém no Delta do Parnaíba, envolvendo Maranhão, Ceará e Piauí, não há dados científicos ou ainda são escassos ”, indica Kesley. A região do delta, onde o projeto é desenvolvido, é considerada como de extrema importância biológica para a conservação, segundo o Ministério do Meio Ambiente, em razão de sua elevada biodiversidade.
Pescadores conscientes
A pesquisa sobre a espécie está sendo realizada em conjunto com moradores locais. “Foi uma grata surpresa perceber que os pescadores da comunidade Pedra do Sal, localizado no município de Ilha Grande, uma das áreas que estamos trabalhando, já perceberem que a quantidade de meros está diminuindo e que não se pode pescá-lo”, comenta. Segundo ela, o trabalho também é focado na sensibilização da população local. “Eles ficaram receosos no começo, mas agora muitos pescadores e líderes comunitários estão trabalhando junto conosco para disseminar os cuidados com o mero, além de nos ajudarem com informações sobre a espécie. É uma parceria fundamental”, conta animada.
Julanez Oliveira Costa (38), conhecido como Júlio, é pescador há 24 anos e está auxiliando os pesquisadores. Ele conta que já pescou muito mero, mas que agora está difícil de encontrar a espécie. “Eu fui o maior matador de mero da região, cheguei a pescar três em apenas um dia. Só agora que a gente vê a importância de preservar, porque quase não tem mais mero aqui”, explica.
Júlio acredita que ainda há tempo de impedir que essa espécie entre em extinção. “Se a gente trabalhar e preservar o que temos hoje, daqui a uns 10, 20 anos, eu acho que podemos voltar a ter a quantidade de meros que a gente tinha, mas tem que cuidar”, ressalta.
O homem e o desconhecimento como ameaças
Kesley afirma que a maior ameaça à espécie é a pressão antrópica, principalmente aquela relacionada à pesca indiscriminada. “O mero atrai muitos pescadores, tanto comerciais quanto esportivos, pelo seu tamanho e vulnerabilidade”, comenta. Além disso, a espécie realiza a agregação reprodutiva, agrupando-se em cardumes de até 40 indivíduos na época de reprodução. Essa característica os torna ainda mais suscetíveis à pesca. Como não há estudos sobre a espécie, os pesquisadores não têm certeza de qual é o exato período do ano em que ocorre a reprodução no Piauí.
A pesquisadora destaca ainda que, pela falta de dados agregada à pesca desregrada, não se sabe ainda qual o impacto real da diminuição drástica da espécie nos mares. “Sabemos que o mero tem grande importância ecológica, pois como ele está no topo da cadeia alimentar no ecossistema marinho da região, ele tem a função de controle biológico, isto é, equilibra a população de várias outas espécies de peixes e crustáceos”, explica.
Desde 2002, a pesca, a captura e o transporte, assim como a comercialização, o beneficiamento e a industrialização do mero estão proibidos. A proibição foi regulada pela portaria 121 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com validade inicial de cinco anos, em 2007 ela foi prorrogada por mais cinco anos. Em 2012, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) juntamente com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou uma norma interministerial prorrogando por mais três anos a moratória que proíbe a captura do peixe, que tem sua proteção garantida até 2015.
Características da espécie
O mero (Epinephelus itajara) é um peixe marinho da família Serranidae e vive em águas tropicais e subtropicais do Oceano Atlântico, desde a costa da Flórida (EUA) até o Sul do Brasil. Quando jovem, vive em baías e estuários – ambientes aquáticos de transição entre rio e mar – para ficar mais protegido. Já na fase adulta, opta pelos ambientes rochosos, onde consegue se camuflar, por causa da sua coloração rajada, com marcas aleatórias pelo corpo. Gosta também de viver nos manguezais próximos a recifes e barcos naufragados, que possuem ampla oferta de tocas para se proteger. A espécie habita regiões marinhas de até 100 metros de profundidade
O mero alimenta-se, preferencialmente, de crustáceos, como camarões e lagostas; porém também fazem parte de sua dieta peixes e polvos. Estudos indicam que já foram encontradas até tartarugas no estômago de alguns meros. Com relação à reprodução, sua maturação sexual é tardia, ocorrendo após o peixe atingir pelo menos um metro de comprimento e sete anos de idade, sendo que a espécie pode viver até 40 anos.
Delta do Parnaíba
Com área estimada em 2.700 quilômetros quadrados, o Delta do Parnaíba possui 73 ilhas, como Canárias, Santa Isabel, Grande do Paulino e Caju. Estimativas afirmam que 35% da área estão em território do Piauí. Esse é o maior delta em mar aberto das Américas. Deltas ocorrem quando a foz de um rio tem a forma da letra grega delta (representada por um triângulo) e se divide em vários braços.
A região atrai turistas do mundo todo por ter sol durante todos os meses do ano e pelas suas dunas, animais silvestres, espelhos d’água e praias paradisíacas. Dentre a fauna da região, destacam-se as garças, guarás, peixes-bois-marinhos, jacarés-de-papo-amarelo e macacos-prego.
Sobre a Fundação Grupo Boticário – A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento.
Desde a sua criação, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.377 projetos de 472 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis.
Fundação:
www.fundacaogrupoboticario.org.br
www.twitter.com/fund_boticario
www.facebook.com/fundacaogrupoboticario
Você precisa fazer login para comentar.