Águas do Rio Joanes chegam poluídas na praia de Buraquinho na Bahia
Aos 12 anos, quando começou a pescar, Carlos Antônio da Cunha viu na foz do Rio Joanes o seu sustento para a vida inteira. Ele se lembra da água límpida e de como o rio podia ser aproveitado. “As marisqueiras trabalhavam em paz, todo mundo pescava aqui. A gente bebia a água desse rio”, recorda o pescador que hoje tem 63 anos e sofre com a atual situação do rio, na praia de Buraquinho, em Lauro de Freitas, onde ele se encontra com o mar.
Com o olhar triste e revoltado, ele olha para as águas do Joanes, o principal rio de uma bacia que é responsável por 40% do abastecimento de água de Salvador. “Hoje você olha essa água preta, ninguém suporta esse fedor quando a maré baixa”, conta o pescador. “Até desembocar aqui, ele pega esgoto de um monte de lugar”.
O Joanes nasce em São Francisco do Conde e passa por São Sebastião do Passé, Candeias e Camaçari. Ele integra a Área de Proteção Ambiental Joanes-Ipitanga, que abrange ainda os municípios de Simões Filho, Salvador e Dias D’Ávila.
Em Buraquinho, ele encontra com o mar, formando uma paisagem bonita, mas poluída. É justamente em Lauro de Freitas que o rio sofre com a maior poluição, segundo o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema).
Das 16 coletas realizadas pelo instituto entre 2008 e 2013 nesse trecho, 11 apontam a qualidade da água como ruim, quatro mostram a água com índice regular e em apenas uma amostra a qualidade é boa.
O Índice de Qualidade das Águas (IQA), que serve de base para a classificação do rio, é baseado em 18 parâmetros, entre eles: temperatura, pH, oxigênio dissolvido, coliformes termotolerantes, sólidos suspensos e sólidos dissolvidos totais. A partir da soma desses fatores, a qualidade do rio pode ser classificada em ótima, boa, regular, ruim e péssima. A escala vai de 0 a 100.
Ocupação
O coordenador de monitoramento do Inema, Eduardo Topázio, atribui essa situação à ocupação urbana próximo ao Joanes. “O rio não é uma unidade única. Ele tem a qualidade associada de onde ele está passando e a gente percebe que ele piora à medida que entra nos centros urbanos”, observa.
Segundo Topázio, outro fator que contribui para a poluição é a falta de saneamento básico, um problema que atinge boa parte de Lauro de Freitas. “O Brasil tem uma cobertura baixa de esgotamento sanitário. E em Lauro de Freitas isso prejudica a qualidade do rio, porque existem muitas ligações clandestinas com a rede pluvial”, diz.
Ipitanga
Já o secretário do Meio Ambiente de Lauro de Freitas, Marcos Crusoé, atribui a poluição do Joanes a outro rio: o Ipitanga. Os dois se encontram cerca de 800 metros depois que o Joanes chega a Lauro de Freitas, dentro de uma propriedade privada.
“Você consegue perceber que existe uma linha de divisão. Parece o encontro do Rio Negro e o Solimões. O Joanes chega com a água mais límpida e o Ipitanga, que já entra poluído em Lauro de Freitas, contamina a água”, afirma o secretário.
O Ipitanga marca o limite entre Salvador e Lauro de Freitas. Ele nasce em Simões Filho e passa por Salvador. “Ele recebe o esgotamento não tratado de São Cristóvão, Mussurunga. Depois passa pelo Centro da cidade (Lauro de Freitas) e recebe um nível de contribuição de ligações irregulares que as casas fazem na rede pluvial e fica completamente degradado”, explica o secretário de Meio Ambiente.
Melhoria
Além da poluição, os pescadores tiveram que lidar com a ocupação às margens do rio. “Esses condomínios destruíram tudo, agora os peixes não têm onde fazer a desova”, reclama o pescador João Bonfim, 64 anos. “Eu vivia a noite toda pescando nesse rio. Ganhei muito dinheiro aí, hoje ele não vale nada. A esperança da gente agora é recuperar o mangue também”, completa.
A última medição realizada em Buraquinho pelo Inema, em outubro do ano passado, foi a única que deu nível bom de IQA. Segundo o coordenador do Inema, o período da medição foi de muita chuva e, quando o volume do rio cresce, a medição tende a dar um resultado melhor.
O secretário Marcos Crusoé, por sua vez, afirma que a prefeitura está tentando recuperar o rio. “Só de manguezal foram 10 mil mudas no ano passado. O manguezal em si representa o berçário da vida marinha, onde os peixes procriam e também evita que tenha erosão próximo dos rios”, explica.
Segundo ele, outras ações também estão sendo implantadas em prol do rio, como a implantação de lixeiras próximo ao rio e a liberação de alvarás de construção mediante a apresentação de um projeto de um sistema próprio de afluentes sanitários.
Embasa
Os últimos dados divulgados pela Embasa sobre a extensão do esgotamento sanitário em Lauro de Freitas indicam que apenas 9% do município fez parte da rede.
O CORREIO solicitou à Embasa um representante que pudesse explicar o que está sendo realizado na cidade, mas a empresa enviou apenas uma nota.
A empresa informa que a obra de extensão , que começou em 2010, tinha previsão de ser concluída no ano passado, mas questões burocráticas interromperam o processo. Para essa primeira etapa, a Embasa realocou R$ 170 milhões.
Sobre a paralisação das obras, a Embasa afirmou que o consórcio não cumpriu prazo e por isso o contrato foi rescindido em setembro de 2011. Segundo a nota, uma liminar da empresa contratada impedia a realização de uma nova licitação para retomar as obras. Agora, com a liminar derrubada na Justiça, a Embasa afirma que uma nova licitação será realizada no dia 14 de março.
De acordo com a Embasa, quando pronto, o sistema de esgotamento terá 222 quilômetros de rede coletora, 33 estações de bombeamento e 40 mil ligações domiciliares. Com a conclusão da rede, o sistema será integrado ao de Salvador e o esgoto de Lauro de Freitas será enviado para o emissário submarino da Boca do Rio.
A empresa não respondeu aos questionamentos sobre a existência de ligações clandestinas de esgoto e rede pluvial ao longo dos rios Joanes Ipitanga. A nota informa apenas que a água que abastece Salvador, coletada na Barragem Ponte do Rio Joanes, não é contaminada.
Antes de passar por cidades, rio tem trechos limpos
Degradado em sua foz, o Joanes tem grande variação na qualidade da água ao longo dos seus 75 quilômetros de extensão. Nos outros quatro trechos onde o Inema faz a coleta, o único local onde há um histórico de boa qualidade da água é em um dos trechos analisados, numa estrada de terra que liga Simões Filho a Camaçari. Ali, apenas duas amostras das 16 coletadas pelo instituto aparecem com o índice regular. As demais são boas.
O lugar é afastado da ocupação urbana e são poucas as pessoas que aproveitam o que o rio tem a oferecer. O caldeireiro Geraldo Figueiredo, 46, é um dos poucos que aproveitam o tempo livre para pescar no local. “Aqui não é poluído. A gente vem sempre e pega tilápia”, conta. Apesar da aparente paz, sem casas ao redor, iluminação e difícil acesso, o local é perigoso. “É bom não ficar aqui por muito tempo não”, alerta Geraldo.
A falta de habitação contribui para a conservação desse trecho, como explica o coordenador do Inema, Eduardo Topázio. “Se as áreas não têm acesso, se não são ocupadas, têm menos problemas também. Não tem ninguém ali para poluir”, diz. Já em outro ponto de Camaçari, cercado por ocupação urbana, os índices da qualidade das águas são ruins. No primeiro semestre do ano passado, o índice da qualidade da água, que vai até 100, chegou a 20. Do total de amostras coletadas pelo Inema, em cinco a água aparece como ruim e em quatro, como regular. Veja no topo da página todos os resultados desde 2008.
Poluição motivou criação de ONG pela preservação
A degradação do Rio Joanes, em Lauro de Freitas, motivou um grupo a formar a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Rio Limpo, em 2009. O diretor da organização, Fernando Borba, conta que foram os pescadores da Colônia de Buraquinho que o procuraram para denunciar e pedir apoio na recuperação do rio.
“Como eu era cliente deles, os pescadores me procuraram para contar o que estava acontecendo. Um deles me dizia que não sabia mais o que fazer porque o rio está morto depois da barragem”, lembra Fernando, referindo-se à barragem da Ponte do Rio Joanes, em Lauro de Freitas. De lá para cá, a organização criou a campanha “Uma corrente para salvar o Joanes”. “Reuni alguns vizinhos e começamos a divulgar informações sobre a degradação do rio e informações tecnológicas de recuperação”, explica Borba.
O diretor diz ainda que a esperança de quem apoia a campanha é a retomada das obras da rede esgotamento sanitário. “Nós estamos torcendo por isso, sabemos que um problema desses atravessa várias gestões e que os municípios não conseguem resolver sozinhos, mas esperamos que a obra da Embasa acelere”, afirma.
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