Em Porto Alegre-RS, moradores pescam no Dilúvio com as mãos
Em silêncio, crianças e adolescentes mergulham lentamente as mãos nas águas escuras do Arroio Dilúvio, na Vila dos Herdeiros, no Bairro Agronomia, em Porto Alegre. Parecem procurar algo nas correntes que envolvem lodo e o esgoto proveniente das casas da comunidade. E estão. São diferentes tipos de peixes que descem da represa da Lomba do Sabão, hoje uma área de 75 hectares que se tornou destino final de dejetos e do lixo jogado irregularmente.
A cena, registrada pela reportagem do Diário Gaúcho na terça-feira desta semana, surpreende quem está de passagem pelo local, mas é comum entre adultos e crianças que vivem na região. É o que confirma o desempregado Tupã Carlos Aguiar, 35 anos, um dos especialistas em pescar com as mãos traíras, carás, lambaris e joaninhas nas águas turvas do Dilúvio.
– Depois que chove, a gente espera uns 20 dias até a água baixar. Os peixes se criam na represa e,quando descem, se prendem nas pedras ou nas partes com menos água. Aí, é só se posicionar e esperar por eles. Mas tem que ter calma – explica.
Tupã ensinou a técnica aos filhos Leonardo, 15 anos, e Douglas, 12 anos. Junto com outros guris da mesma idade, eles trocam o futebol pela pesca de maneira rústica no período inverso ao da escola.
– A gente se reúne e vê quem consegue pegar o peixe maior. Ficamos horas dentro da água, esperando o melhor peixe – conta Leonardo, mostrando a traíra pescada um dia antes e que seria o almoço da família na terça.
“Morre no óleo quente”
Ana Paula Rodrigues, 36 anos, mãe dos guris e mulher de Tupã, é quem ajuda os três a temperar os pescados. Ela não vê problemas em se alimentar de peixes criados em águas misturadas ao esgoto cloacal, mas afirma que só belisca o que é trazido pelo marido e os filhos.
– Temperamos bem com alho e fritamos. Não gosto de peixe, mas eles comem tudo. Nunca tiveram uma dor de barriga – garante.
– Se tiver algum bichinho no peixe, morre no óleo quente – acredita Tupã, aos risos.
Risco é a água suja
Ao saber da aventura dos moradores da Vila dos Herdeiros, o diretor-geral do Dmae, Flávio Presser, surpreendeu-se. Ele reconhece que a represa se tornou um grande esgoto a céu aberto.
– Se há peixe naquelas águas, é porque ainda tem oxigênio suficiente para eles – comentou.
Mas o gastroenterologista do Hospital Conceição, Ângelo Zambam de Mattos, alerta para os problemas aos quais os pescadores improvisados estão expostos.
– O maior risco que estas pessoas estão correndo é com a exposição à água suja. Elas podem contrair hepatite A, ter diarreias e outras infecções a longo prazo – afirma.
Com relação ao peixe pescado no Dilúvio, apesar de não aconselhar comê-lo, Ângelo diz que o alimento bem cozido e assado elimina os parasitas e germes que podem causar problemas toxicoalimentares, confirmando a crença do desempregado Tupã.
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