Estiagem faz lago virar pasto em Furnas: ‘vida mudou’, diz morador
No início dos anos 1960, a paisagem e a economia do Sul de Minas mudaram com a construção do reservatório e da hidrelétrica de Furnas, mas a escassez de chuvas que atinge a região desde o final de 2012 deixa o horizonte dos moradores que vivem do entorno do lago indefinido.
Piscicultores contam o prejuízo em tanques-rede sendo retirados do lago, empresários calculam a escassez de água em quartos que não foram ocupados em alta temporada e todos miram a esperança na possibilidade que os próximos dias tragam água do céu. Enquanto Furnas afirma que a usina continua operando normalmente apesar do baixo nível do lago, moradores da região não negam que a vida mudou sem abundância de água.
Onde há lago, não há água
Como se o passado ressurgisse da lama, os moradores de alguns dos 34 municípios mineiros banhados pelo Lago de Furnas convivem nos últimos meses com estruturas antes “sepultadas” pela água que formou o reservatório. “A Ponte das Amoras já apareceu de novo”, conta o piscicultor Gener Custódio da Silva, de Alfenas (MG), ao convidar para visitar a propriedade dele e ver uma das antigas travessias que ligavam o município a Campos Gerais (MG), e alagada com a construção da Hidrelétrica de Furnas.
Silva foi pescador profissional por boa parte da vida, e quando se aposentou da função, resolveu começar a criar peixes em tanques-rede no lago. Faz esse tipo de atividade desde 2006. A escassez de água vivida pelos piscicultores e empresários do entorno do lago não chega a ser novidade. Desde o final de 2012, ninguém na região viu o lago voltar ao seu lugar de origem.
“Está complicado, porque tem pouca água. Cheguei a ficar com 2,5 metros de profundidade (de água)”, lembra Silva sobre o período. Neste início de maio, o produtor está com cerca de três metros de profundidade, o mínimo necessário para criação de tilápia em tanques-rede sem risco de perder a produção. “Mas normalmente o lago tem uns 15 metros [de profundidade no lago]”, completa.
Por ter a propriedade próxima ao Rio Sapucaí, Silva enfrenta menos as consequências da escassez de água. “Estou quase dentro da vargem do rio, que é mais profundo. Muitos amigos meus, mais de 50% dos criadores [de tilápia] pararam, porque não tem água na cabeceira do lago. Agora é só o rio mesmo, água ‘alta’ não tem mais”, explica.
Tapir de Carvalho Lopes é um dos amigos de Silva e piscicultores que perdeu sua criação de tilápia com a falta de chuvas que atingiu a região a partir de meados de 2012. Ele conta que, quando a represa baixou, foi preciso tirar os peixes do lago, que foram transferidos para um açude. “Aí deu um problema no açude. Ficou muito tempo sem chover, e aí nas encostas ficou com muita folha seca. Quando choveu, isso desceu para o açude e tirou a oxigenação da água. Perdi toda a criação”, lembra.
Também proprietário de um restaurante, Lopes é um dos muitos piscicultores com propriedade às margens de Furnas que resolveu não devolver os tanques-rede para o lago e suspender a criação de peixes. “Não tem o que fazer. É algo que não tem previsão, a água sobe e desce. Não dá pra arriscar colocar os tanques na água. Criadores de peixes que estavam nesse braço do Lago de Furnas, todos pararam”, afirma.
Trabalhando com a atividade há sete anos, Lopes tinha 39 tanques-rede e o prejuízo pode ser calculado por cada um. Segundo ele, em cada tanque são criados cerca de mil peixes, que equivalem entre 700 a 800 quilos por gaiola. Piscicultores da região vendem cada quilo de tilápia por cerca de R$ 6. “Ia começar a vender na Semana Santa, já tinha até encomenda. Mas não teve jeito”, completa.
Pasto de Furnas
Quem nunca cruzou as margens do Lago de Furnas pela BR-491, saber onde ele ficava é desvendar um mistério. A vegetação alta, verde, e por uma extensão que se perde no horizonte torna difícil delimitar a área onde havia um lago. A única pista são os diques dos restaurantes e pousadas fincados na terra e pequenas poças de água que alguns pescadores e turistas arriscam procurar por peixes.
A proprietária de um dos restaurantes e pousadas de Alfenas que ficam na margem do lago, Irde Martini, afirma que desde 2012 não viu o lago chegar próximo à margem. “Ele foi até metade, mas logo parou de chover e ele não voltou como antes. Não cobriu nem o mato direito, e quando secou de novo, ficou podre e fedido e agora já cresceu de novo”, conta. O gado que pode ser observado pastando ao longe é sinal que a vegetação no local cresce livre.
Segundo Irde, por causa da estiagem, o movimento no restaurante caiu cerca de 30%, mas a maioria da clientela permanece, já que peixe ainda não falta na região. A queda mais drástica foi sentida na pousada, que perdeu a bela vista do Lago de Furnas. “Essa época era pra estar cheio. Tenho 43 quartos, mas geralmente só uns 10, 15 estão ocupados. A maioria é viajante que passa pela região e fica hospedado, turista tem bem menos”, conta.
Mar de Minas
O “mar” criado em Minas Gerais com a construção do reservatório de Furnas mudou a paisagem da região desde 1963. Áreas férteis foram alagadas causando prejuízos para muitos agricultores, mas trouxe o desenvolvimento de outros setores como o turismo e a piscicultura. Atualmente, sem dúvida, a população do entorno do lago depende das águas do denominado “Mar de Minas”, que cobre uma área de 1.440 km².
Uma nota oficial do ONS à imprensa em 29 de abril afirmou que ainda não há necessidade de cortes de energia para manter o fornecimento de eletricidade no país, mas se as condições hidrológicas entre o período de maio a novembro se agravarem, medidas serão propostas para manter o fornecimento de energia elétrica.
Dias que virão
A esperança de muitos piscicultores é justamente que a natureza inverta a lógica: como não choveu no verão, situação que muitos afirmam nunca terem presenciado em vida, criadores e empresários esperam que a chuva venha no outono e inverno para que o lago, ao menos, se mantenha em melhores condições até o final do ano.
“Já vi em outros tempos ter chovido quando não deveria e não ter chovido quando deveria. Não precisa chover muito, se aumentar cerca de 0,5 metro [o nível do lago] já fico tranquilo [até o fim do ano]. Mas tem que chover”, afirma Gener Silva.
O produtor Tapir Lopes se mantém na mesma torcida, e diz que apesar dos prejuízos que teve com a estiagem prolongada, a situação melhorando, os tanques-rede voltarão para o lago. “A gente lavou as gaiolas e guardou. Mas brasileiro é teimoso, ‘né’. Não pode perder a esperança. Uma hora dá certo.”
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