As comunidades indígenas de Santa Isabel, no noroeste do Amazonas, pretendem tirar do papel um circuito de ecoturismo e etnoturismo. O projeto incluirá trilhas, canoagem, gastronomia e artesanato dentro de um roteiro de navegação em uma das regiões mais exuberantes do rio Negro.
Na semana passada, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Fundação Nacional do Índio (Funai) e ISA realizaram, em conjunto com a Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas (Acir), a primeira oficina para construir o plano de visitação em seu território, que cobre parte das Terras Indígenas (TIs) Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II e Rio Téa. Sobreposta ao Parque Nacional do Pico da Neblina em pequenos trechos, a iniciativa será discutida com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para garantir objetivos compartilhados de conservação da área.
A oficina discutiu as prioridades da associação e definiu uma agenda de trabalho que envolve levantamentos e consultas com 12 comunidades para avançar em um projeto de turismo de base comunitária que contribua para a gestão territorial e o bem viver das famílias Bare, Tukano, Baniwa e Piratapuia.
Para formular a ideia, a Acir baseia-se em uma Instrução Normativa da Funai (N. 3 de julho de 2015) que orienta os procedimentos para regulamentar o turismo em Tis.
Considerado um projeto estratégico por estar inserido na discussão dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental das terras indígenas do Rio Negro, conta com apoio e acompanhamento da Coordenação Regional da Funai no Rio Negro.
As comunidades de Cartucho, Massarabi e Aruti estão animando o processo e, junto com a diretoria da Acir, vão organizar novas oficinas e levantamentos para definir os roteiros turísticos. Entre os atrativos, estão trilhas de baixa dificuldade, entre 30 minutos e 2 horas, pelo complexo de serras da região, entre as comunidades e cachoeiras, bem como visitas às roças, canoagem e apresentações tradicionais com o acompanhamento de lideranças e velhos conhecedores sobre as histórias e conhecimentos da região.
Na parte de gastronomia, o cardápio das refeições será composto de alimentos e receitas tradicionais, desde os mingaus e vinhos de frutos (como açaí, bacaba e buriti), até os caldos de peixes com tucupi e moqueados. Produtos do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, patrimônio imaterial da cultura brasileira (leia mais), os alimentos apresentarão aos turistas não apenas a riqueza de sabores, mas também dos conhecimentos e processos produtivos milenares indígenas.
Indígenas na gestão do turismo
A Foirn, em parceria com o ISA, está discutindo a formação de uma agência indígena de turismo para apoiar e promover as iniciativas das comunidades, garantindo o protagonismo nos projetos e parcerias seguras que observem os modos de vidas da população e assegurem que os benefícios da atividade sejam repartidos adequadamente, com transparência e respeitando os interesses coletivos. Entre os próximos passos, estão os estudos e levantamentos detalhados dos potenciais turísticos e a busca por parceiros que apoiem a elaboração de um plano de negócio inovador, que promova a gestão indígena.
“As comunidades, ao longo dos anos, vêm discutindo a proposta de projetos alternativos voltados à geração de renda e sustentabilidade da população. Por meio de suas organizações, estão decididas a construir um modelo inovador de circuito de turismo, com atrativos naturais, históricos e mitológicos. O objetivo da Foirn é apoiar o turismo em terras indígenas e organizar a criação de uma agencia própria de turismo,” diz Marivelton Barroso, diretor da Foirn.
Pioneirismo do Médio Rio Negro
A região do Médio Rio Negro é pioneira na discussão do turismo na região, investindo esforços em organizar iniciativas que contribuam para a governança de seu território e a melhoria da qualidade de vida. A Associação Indígena Água e Terra – Ahköiwi, que representa as comunidades do Rio Curicuriari, também está construindo um plano de visitação para desenvolver o ecoturismo na famosa Serra Bela Adormecida (Bah’sebó).
As associações estão se inspirando na iniciativa de turismo de pesca de base comunitária desenvolvida por outra associação da região, a Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (ACIBRN) no Rio Marié. Essa é a primeira experiência de turismo de pesca regulamentada em uma área protegida no Brasil, com um programa completo de manejo e monitoramento gerido pelas comunidades e acompanhado pelos órgãos competentes, Funai e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
O projeto ACIBRN no Marié é inovador por ter construído um modelo onde as comunidades estão à frente da gestão da atividade. As comunidades estabeleceram parceria com uma empresa e desenvolvem o turismo em um projeto que mantém a vigilância e monitoramento de toda a região e apoia as ações da associação para coordenação da atividade.
A região da Acir também é conhecida pelo seu potencial para o turismo de pesca esportiva por causa dos grandes Tucunarés-Açu. Por isso, também sofre constantes invasões por empresas que desrespeitam as áreas de pesca tradicionais e não revertem benefícios para as comunidades. Ainda inseguras quanto à possibilidade de associar o ecoturismo ao turismo de pesca, a Acir irá realizar um estudo de capacidade de estoque com o acompanhamento do Ibama e da Funai antes de avaliar se esse atrativo também poderá compor o seu projeto de turismo.
Instituto Socioambiental