Terras Indígenas Jurubaxi-Téa e Uneuixi transformam o turismo de pesca esportiva no Médio Rio Negro
A pesca esportiva atrai cerca de 10 mil turistas ao Amazonas por ano, movimentando algo em torno de R$ 50 milhões. Os dados foram divulgados pelo governo estadual no primeiro workshop sobre o setor realizado esse ano em Manaus. Porém, sem que haja fiscalização e ordenamento, a atividade gera danos ao meio ambiente e à segurança alimentar das populações tradicionais. Nesse contexto, surgiu uma aliança inovadora entre comunidades indígenas, ONGs, órgãos do governo e empresas para construir de modo participativo o modelo mais adequado para a regularização do turismo de pesca esportiva, respeitando os direitos indígenas e a legislação vigente.
Com protagonismo da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), as conversas se iniciaram em 2009 e tiveram o acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF). Em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), Funai e Ibama foi possível construir e colocar em prática um modelo pioneiro de turismo de pesca esportiva sustentável e de base comunitária, afastando invasores e empresas que exploravam a região de maneira predatória e sem respeitar a cultura dos povos tradicionais.
A experiência pioneira realizada no Rio Marié a partir de 2013 trouxe aprendizados para dar esse importante passo em Santa Isabel do Rio Negro (AM).
Nas duas terras indígenas onde foi realizado o ordenamento para pesca esportiva (Jurubaxi-Téa e Uneiuxi) moram indígenas dos povos Arapaso, Baniwa, Baré, Desana, Coripaco, Nadëb, Pira-Tapuya, Ticuna, Tukano e Tariana. Parte desse território está sobreposto à APA (Área de Preservação Ambiental) de Tapuruquara, criada em 2001 pelo município de Santa Isabel do Rio Negro. Algumas iniciativas em parceria com o município com vistas ao ordenamento e planejamento do uso dos recursos nessa área foram iniciadas, mas não tiveram continuidade.
“O modelo de turismo de pesca esportiva de base comunitária contribui para a gestão e proteção das terras indígenas e gera renda localmente. Ainda há muitos desafios, especialmente para que os setores público e empresarial adequem-se à legislação e comprometam-se a promover o desenvolvimento sustentável da região, em parceria e respeitando os direitos indígenas”, ressalta Camila Barra, antropóloga do ISA, lembrando que essa iniciativa obedece diretrizes da Instrução Normativa (IN) 03/2015, da Funai, que regulamenta a atividade turística em TIs.
O inovador ordenamento participativo da pesca esportiva nas Tis Jurubaxi-Téa e Uneuixi coloca o Brasil em outro patamar de desenvolvimento dessa atividade no país, segundo o especialista em pesca esportiva, Kelven Lopes. O Rio Negro é um polo reconhecido internacionalmente e pode se tornar o grande destino para a pesca esportiva de tucunarés-açu na Amazônia. “O projeto de turismo de pesca esportiva de base comunitária é sustentável e economicamente viável, dando ao Brasil uma elevada condição de destino número um para turismo de pesca de tucunaré-açu”, ressalta Lopes.
Gestão territorial e ambiental com geração de renda
O ordenamento pesqueiro nas terras indígenas vai além da pesca esportiva: ele estabelece um plano de manejo que prevê regras de pesca também para as comunidades, buscando a recuperação de áreas já impactadas pelas invasões. Esse processo foi construído a partir das tomadas de decisão das próprias comunidades indígenas e suas lideranças, tendo o desafio de conciliar a geração de renda local com a gestão territorial e ambiental de seus territórios.
A preocupação da ACIMRN é garantir que a atividade traga benefícios diretos para a população que vive nesse território, com melhoria de infraestrutura nas aldeias, beneficiando o coletivo e distribuindo renda. O foco é criar oportunidades para a sustentabilidade e proteção das terras indígenas, com atividades organizadas, sem danos socioambientais, garantido o respeito aos modos de vida e a segurança alimentar para as próximas gerações, em sintonia com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI), lei 7747/12.
Com o turismo organizado, a vigilância das áreas é contínua, realizada de acordo com o plano de manejo aprovado pelas comunidades indígenas. O monitoramento ambiental é feito anualmente por uma equipe da Funai e do Ibama, acompanhada das lideranças indígenas. As capacitações de guias de pesca e vigilantes indígenas ocorrem no início de cada temporada, logo após a realização de uma reunião de planejamento. A temporada anual de pesca foi definida para ocorrer entre setembro até meados de fevereiro, a depender do nível das águas.
“Estamos colocando em prática a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas, tirando a lei do papel e fazendo com que nossos planos de gestão sejam implementados. Nosso objetivo é gerar renda, principalmente para os jovens, e proteger nosso território e a Amazônia. Com isso, atividades ilegais e predatórias são afastadas e nossas comunidades indígenas podem ter seu bem viver garantido”, ressalta Marivelton Barroso Baré, presidente da Foirn.
A parceria feita entre as comunidades indígenas e as empresas operadoras de turismo (veja box) também traz inovação, uma vez que o processo foi amplamente discutido nas comunidades e teve a participação das organizações representativas, ACIMRN e Foirn. Todos os contratos firmados entre as empresas e os indígenas buscam a equivalência de ganhos, ou seja, no final dos prazos das parcerias, as empresas e as comunidades lucrarão os mesmos valores. “As comunidades já fazem planos para reverter grande parte dos ganhos em melhorias de infraestrutura como sistemas de energia solar, de comunicação, reforma de centros comunitários e sistemas de captação de água”, comenta Camila Barra.
As comunidades indígenas têm a expectativa de que, com a conquista e exercício da autonomia sobre a gestão desses territórios, possam se organizar para desenvolver outras iniciativas e, com isso, conquistar mais espaço e respeito para o diálogo com os gestores públicos. Os parceiros envolvidos nesse processo são otimistas e acreditam que o município rapidamente perceberá que quando organizadas, as atividades podem efetivamente promover o desenvolvimento regional.
Organização da pesca esportiva em Santa Isabel do Rio Negro:
(Essa iniciativa se dá no âmbito do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) 003/2016 – FOIRN, FUNAI e ISA)
Terra Indígena Uneuixi
- Área de operação do turismo: a partir do limite da TI Uneuixi até o Igarapé Natalzinho
Áreas de conservação e uso exclusivo das comunidades indígenas: Lago Tabuleiro, Lago Lourenço, Lago Pé de Anta, Lago Boto e o Rio Natal.
Serão no máximo 13 semanas de operação com até 12 pescadores por semana, em parceria com a empresa Itaicy Fly Fishing Lodge Brasil LTDA., durante o período de três anos.
Terra Indígena Jurubaxi-Téa
- Rio Jurubaxi
Área de operação do turismo: do lago Panema até o limite final da Terra Indígena Jurubaxi-Téa
Áreas de conservação e uso exclusivo das comunidades indígenas: Igarapé Ariadá, Lago Pixuna, Lago do Pala e Lago Fundo.
Serão aproximadamente 20 semanas de operação com até 24 pescadores por semana, em parceria com o Consórcio Empresarial – Amazon Nemo Turismo LTDA e Tapacauá Viagens e Turismo ME, pelo prazo de cinco anos. - Rio Uneuixi
Área de operação do turismo: do paranã do Carrapato até o limite final da TI Jurubaxi-Téa.
Áreas de conservação e uso exclusivo das comunidades indígenas: lagos Janauari, Ferreira, Jacaré, Cubia e o Paranã do Altrão.
Ocorrerão no máximo 12 semanas de operação com até 20 pescadores por semana, em parceria com a empresa Barco Zaltana Recreação e Lazer LTDA, por cinco anos.
Áreas proibidas para a pesca esportiva e comercial:
As Terras Indígenas Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Tea e Yanomami são proibidas para a pesca esportiva e comercial. As TIs estão protegidas legalmente e a pesca realizada nessas áreas, sem observar os direitos indígenas e ambientais, é crime, como dispõe o Art. 34 da Lei de Crimes ambientais (Lei n° 9605/98): “Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente gera pena com detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”.
É caracterizada a pesca mesmo no ato tendente de pescar, portanto, configurando-se infrator aquele que esteja munido, equipado ou armado com apetrechos de pescaria, na área de pesca restrita ou dirigindo-se a ela. Pode ainda o ato de invadir terras indígenas, desrespeitar o ordenamento pesqueiro e a decisão das comunidades caracterizar a violação de outros crimes previstos em lei. A Funai proibi a entrada de pessoas estranhas em terras indígenas sem sua autorização prévia ou das próprias comunidades.
ISA – Instituto Sócio Ambiental
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