Em fevereiro, a portaria n° 91/2020 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) causou polêmica ao abrir uma brecha para liberação da pesca esportiva em unidades de conservação de proteção integral. Diferente das unidades de uso sustentável – que comportam atividades extrativistas e seguem planos de manejo mais flexíveis – as unidades de conservação de proteção integral são áreas protegidas que possuem características mais importantes em termos de biodiversidade e que possuem como objetivo a preservação de ecossistemas mais sensíveis.
As forças que impulsionam e oferecem base para a pesca esportiva são poderosas e se justificam com argumentos de geração de empregos e renda para as localidades onde ocorrem. No entanto, a relação com as comunidades tradicionais, detentoras de licenças para pesca de subsistência, é bastante complexa.
Cláudio Maretti, ex-presidente do ICMBio defende que “temos unidades de conservação do grupo de uso sustentável onde uma atividade de baixo impacto seria admissível”. Ainda segundo ele, para que a pesca esportiva aconteça: “deve haver um benefício para as comunidades tradicionais, provavelmente econômico, e de estrutura para suas coletividades. E não deve haver prejuízo para essas comunidades, como degradação cultural e prejuízo a suas atividades produtivas.
Em acordo com as comunidades tradicionais e com monitoramento da biodiversidade. Temos um excelente exemplo com a construção da metodologia do manejo sustentável do pirarucu nos lagos e rios da Amazônia. Tudo isso deve ser feito com limites para manter os interesses da conservação, especificamente aqueles que motivaram a criação da unidade de conservação. Nesses casos, pode ocorrer que essas comunidades queiram o turismo de base comunitária e queiram a pesca esportiva. Então, se aplicariam as diretrizes mencionadas acima, para o caso das unidades de conservação do grupo de uso sustentável”.
Nesse sentido, promover o turismo em unidades de conservação é vantajoso e benéfico, principalmente para as comunidades tradicionais, desde que respeitando a legislação e os objetivos de cada unidade. Maretti esclarece que “a portaria não permite a pesca esportiva em Parques Nacionais, mas sim em áreas de sobreposição entre parques e territórios tradicionais, se demandado por seus ocupantes tradicionais.”
Angela Kuczach, bióloga e diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, defende que a portaria n° 91 de 04 de fevereiro de 2020 é ilegal: “Uma portaria não pode se sobrepor a Lei. E no caso do SNUC a regra é clara: em Unidades de Conservação de Proteção Integral apenas atividades de uso indireto dos recursos podem ser promovidas. A justificativa de que tal manobra será realizada para melhorar as condições de populações tradicionais só torna a emenda pior que o soneto: populações, quando existentes, precisam ser realocadas, TACs (Termo de Ajuste de Conduta) para que ali permaneçam são medidas provisórias e paliativas.
Não é promovendo a extração de recursos naturais dessas áreas que o problema da renda das populações humanas será solucionado. Ao contrário, está-se criando um segundo problema. Ao órgão gestor cabe proteger o patrimônio natural e fazer cumprir a Lei, não o contrário”.
A bióloga explica que esses animais são devolvidos com vida ao seu habitat, mas com sequelas, anzóis e petrechos que podem ficar presos e que podem levar à morte em muitos casos. Os peixes de águas escuras podem ficar imediatamente cegos quando expostos à luz solar e os ferimentos causados pelos anzóis geram infecções, levando-os a não poderem se alimentar adequadamente, o que os deixa mais fracos e expostos aos predadores. Com a possibilidade de morte dos peixes, o argumento de atividade inofensiva entra em debate, indo de encontro direto ao critério de preservação e “uso indireto dos atributos naturais” que as unidades de proteção integral possuem em seu objetivo.
O movimento ambientalista não é contra o turismo em unidades de conservação. Pelo contrário, o turismo aproxima as pessoas das áreas protegidas e é de grande importância para a conservação. A questão é como essa atividade deve ser conduzida para evitar que provoque mais impactos do que benefícios.
O Brasil está bastante atrasado em relação a outros países em termos de organização e estruturação para o desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis. Somos o país com a maior biodiversidade do mundo e ainda não conseguimos organizar o turismo de observação de aves, as trilhas de longo curso e muitas outras atividades para rentabilizar as unidades de conservação, gerando empregos para comunidades locais. Antes de permitir a pesca esportiva e abrir as portas para os impactos que ela pode trazer em áreas mais sensíveis, temos que olhar para todas essas outras possibilidades que integram melhor a preservação e o ecoturismo.
A preocupação está diretamente relacionada ao tamanho do impacto que a atividade representa. A Organização Internacional Ética Animal compila estudos de diversos autores sobre o assunto e apresenta que a estimativa é de que “mais de 10 milhões de toneladas de animais marinhos sejam capturados a cada ano na pesca esportiva. Essa é uma quantidade imensa, que equivale a 1/8 dos peixes capturados na pesca comercial. Só conseguimos entender o quão incrivelmente grande é esse valor se considerarmos o número de pessoas que pescam ao redor do mundo. O número de pescadores nos EUA, por exemplo, é de mais de 34 milhões. Estima-se que cerca de 12% das pessoas realizam a pesca recreativa regularmente. Existe uma indústria inteira fornecendo equipamentos de pesca, e todo tipo de associações e competições de pescadores pelo mundo”
Por: Aline Tiagor – Portal O Eco
https://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/pesca-esportiva-ate-onde-vai-o-turismo-ecologico-e-comeca-o-impacto-ambiental/